Em tempos pretéritos, residia em Ilhéus um velhinho, de tez negra, feições sofridas, rosto com grandes sulcos, mercê das agruras que a vida se lhe impunha. Cultivava longos bigodes brancos. Era badameiro – catador de papéis e outros objetos que já não serviam à sociedade -; também pedia esmolas. Seu codinome, embora pouco importasse às pessoas que o viam passar, era Pirréu, o louco. Era assim que o chamavam. Ao se aproximar das pessoas, com ar compungido, requeria o óbolo. O seu interlocutor e possível doador, daquilo se compadecia e, com isso, ele atingia o seu objetivo, i.é., perceber alguma doação em espécie e ou em objeto de algum valor pecuniário. Mas, aquele que, em tese, praticava o ato de bondade, e, como tal, esperava o merecido agradecimento, recebia em troca uma amarga resposta, em tom de blague, porém, eivada de muita sinceridade. Vaticinava ele, com sua voz anasalada: E eu gosto de ninguém, rapaz? E, deixando o outro entre surpreso e absorto, se afastava empurrando a sua inseparável galeota.
Assim percebo as relações interpessoais hodiernas. Uma constante diáspora entre os seres. Em crescente desamor. E não se vá alegar que o recrudescimento dos meios de comunicação ou sua globalização está servindo para aproximar pessoas. Ao revés, ensimesmadas em seu egotismo, parecem perceber o outro apenas enquanto um interlocutor necessário, que deve existir apenas para o seu deleite, para a desenvolução da sua crescente vontade de Ter, de poder, de ascenção sobre o outro. A alteridade teria como escopo apenas o de servir. Tornamo-nos apenas alguém(@)-ponto-algumacoisa-ponto-com-ponto-BR. E, pensamo-nos seres, por isso. E o somos? Na minha eterna busca, embora não me perceba tão fora desses parâmetros, eis que a mass-media (leia-se Rede Globo), em seus folhetins eletrônicos ejacula normas comportamentais, que por simples osmose assimilamos, num eterno devir (ou será siri na lata?), sem nenhum questionamento, e que ousamos seguir, como se fôssemos simples massa de manobra e nos deixássemos cooptar, por fome, por excesso de endemias, por auto-desamor, ou por assistir o Fantástico, o Show da Vida (?); ainda penso que podemos reagir, por amor a nós mesmos, enquanto seres que amam, que sentem, que se emocionam, ainda que dotados de racionalidade (?), como o inesquecível e … atualíssimo… Pirréu… o louco.
Por Paulo Sérgio dos Santos Bomfim.
Advogado, Graduado em Filosofia; Especialista em Direito Processual Civil e Psicopedagogia; Mestre em Cultura; Professor do Curso de Direito da FTC. Membro-fundador da Academia de Letras Jurídicas do Sul da Bahia (ALJUSBA) e Membro da Academia Grapiuna de Letras (AGRAL). Itabuna – Bahia,
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